quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Copa do Mundo – De qual legado se está falando?

Escrito por Mércia Alves:
Assistente Social – Coordenadora do Programa Direito à Cidade – CENDHEC,
Integrante da rede do Fórum de Reforma Urbana – Estadual, Regional e Nacional.


A Revista Le Monde Diplomatique Brasil, do mês de novembro/2011, traz como tema central a Copa do Mundo é Nossa. E a capa nos brinda com várias interpretações. Ao olharmos a taça, objeto de desejo dos maiores times do mundo, está desenhada e coberta por mãos e notas de dinheiro, demonstrando a lógica dos artigos e a crítica ao modelo de cidade corporativa que as obras e investimentos estão impondo as cidades brasileiras.

A primeira vista a capa desta edição temática, já traz em si o que os artigos, entrevista, pretendem nos oferecer como degustação para este tema, e como a Copa vem permeando os corações e mentes dos (as) brasileiros (as). Seja porque é a oportunidade de assistir no Brasil um evento mundial. Seja porque para alguns é uma possibilidade de ampliar a renda. Seja porque os investimentos em infraestrutura podem melhorar a mobilidade urbana nas cidades sedes.

Temos nas reflexões trazidas por essa revista uma visão crítica sobre as dimensões acima descritas. E para aqueles que estão nas articulações da sociedade civil, comitês populares da Copa, é um indicativo de que os investimentos, já nos trazem inquietações sobre os percalços que a Copa de 2014 vem a oferecer.

Observando o sentido do mundial futebolístico no Brasil, festejado em 2007, é difícil para o senso comum, apresentar uma leitura crítica sobre os reais impactos que esse megaevento pode trazer para o país. A Cultura simbólica de que o Brasil é o país do futebol, é uma imagem afirmativa que tenta aliviar as expressões das desigualdades. Em nosso país, faz parte do cotidiano viver o futebol, seja nos campinhos dos bairros, nas ruas da periferia, nas quadras com os futebol society ou na opção por torcer por um time estadual.

Bem, nada mais significativo para o imaginário do (a) brasileiro (a) do que a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. E neste sentido é importante deixar claro que não somos contrários a Copa do Mundo. Seria hipocrisia, porque somos parte deste imaginário cultural. Porém, somos contra ao modelo de cidade corporativa, estruturado em função dos megaeventos como a Copa e as Olimpíadas de 2016.

E nesta singela reflexão pretende-se instigar a análise sobre os riscos, violações que a população pobre está sujeita em função das grandes obras e na fragilização do modelo de gestão democrática e garantias constitucionais no campo dos direitos humanos.

Os investimentos em megaeventos como Copa do Mundo e Olimpíadas vêm demonstrando como a cidade sempre é o “centro das ambições” pelo movimento do capital. A cidade, mais que nunca, é expressão da sua mercantilização, onde todos os investimentos caminham para um modelo de cidade geradora de lucro, nos moldes das grandes empresas.

Nesta concepção sobre a cidade e a gestão do território, todas as iniciativas buscam favorecer o mercado, e ocorre com a anuência do Estado. E de que forma isso se concretiza? Na flexibilização da legislação urbanística; na parceria público-privado; na desregulamentação dos direitos sociais; na criminalização dos movimentos sociais e ONGs.
Assim, cria-se no âmbito nas cidades um regime de exceção, como aponta na revista o Professor Carlos Vainer, e em nome dos grandes projetos e volumosos investimentos, são definidas as obras que redesenham o modelo de cidade em nome dos interesses do capital, e de um planejamento urbano excludente.

Bem, um aspecto importante trazidas nas reflexões do professor Carlos Vainer, que nos chama atenção no cenário de desenvolvimento das obras da Copa nos estados é que a realização do “(...) megaevento aprofunda essa idéia de cidade de exceção: as regras todas vão para o espaço. (...) Por exemplo, todas as empresas associadas ao Comitê Olímpico Internacional (COI) e à Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) não pagam impostos. A lei de responsabilidade fiscal, que estabelece os limites de endividamento, é flexibilizada para obras associadas a megaeventos”. (p.04).

Neste modelo não cabe a dimensão da gestão democrática e participativa. Não é interesse do Estado, e muito menos do capital, que as intervenções urbanísticas e no uso do solo urbano, seja palco de debates nos canais institucionais de participação, como os conselhos de políticas públicas, como o das cidades. Portanto, não é a toa que os comitês locais populares da Copa tem dificuldades de acesso as informações reais sobre as obras e parcerias estabelecidas entre público e privado, lembrando que promovido com os recursos públicos (cerca de 60% dos investimentos das obras é com dinheiro público).

Estas questões nos preocupam porque significa a redução dos investimentos em políticas sociais. Outro dado é que a afirmação deste modelo de cidades só acentua as desigualdades e as agrega aos investimentos nas cidades da Copa a questão do turismo. Então, não é de se achar estranho que das doze cidades, sete são consideradas de grande potencial turísticos, onde destas quatro estão no Nordeste.

Ampliando o olhar sobre os impactos sociais e urbanísticos, as intervenções em razão da construção das arenas da Copa e no reordenamento urbano no entorno das cidades, estima-se que cerca de 170 mil pessoas serão removidas no país e isto significa a violação do direito à moradia e ao acesso a terra, demonstrando que a Cidade para a Copa estão realizando um processo de higienização, removendo os pobres das cidades.

Nos países onde ocorreram megaeventos semelhantes, como China (Pequim) e África do Sul, as intervenções urbanísticas buscaram eliminar a pobreza do entorno dos estádios e a tendência com essas experiências é que a população pobre foi banida da vivência e convivência nos centros urbanos. E a sociedade civil organizada em redes e fóruns, cabe denunciar junto aos órgãos públicos as inúmeras violações e buscar as medidas jurídicas para assegurar a prevalência do direito em detrimento da fragilização dos direitos à cidade.

Ainda neste campo, contamos com uma mídia conservadora que veicula em horário nobre uma forma de monitoramento e andamento das obras nos Estados e fragilizam os canais legais que são de responsáveis pela formulação e monitoramento das políticas públicas urbanas. As informações veiculadas são superficiais e estão preocupadas com o percentual das obras executadas e se no prazo previsto pela FIFA serão ou não concluídas. Não estão preocupadas com o impacto e alimentam a ilusão de que o acesso a arena por ocasião dos jogos será para todos e todas. Estima-se que pelo valor dos ingressos, poucos de nós terão condições reais, objetivas, para assistir a um jogo da Copa do Mundo.

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